terça-feira, 23 de maio de 2017

Conversa na beira da praia

O texto a seguir se trata de ficção. Os elementos e personagens são tratados de modo a melhor contar a história.


- Onde eu estou? – Era a pergunta que Catherine se fez ao despertar.

Estava em um lugar completamente desconhecido. Ouvia as ondas do mar e colocava suas mãos na areia. Contudo, abrir os olhos era impossível. A sensação era de que eles tinham sido grudados com cola. A jovem não sentia medo, dor, raiva. 

A praia era calma, silenciosa e inabitada.

A noite chegou e Catherine estava com frio e com medo. Entrou em desespero e começou a chorar. Apesar de estar com medo, não era esse o motivo de seu pranto. Eram lágrimas profundas, daquelas que só são derramadas quando o corpo e a mente não aguentam um doloroso e intenso sofrimento.

Naquele silêncio, Cath pensou em toda a sua vida. Seus erros, mágoas, dores, decepções. No modo cruel em como lidava com seus subordinados (“Eu dava mais patadas do que cavalo”). Na impaciência para com sua mãe (“Será que você não é capaz de fazer nada certo?”, “Que comida horrível, eca. Perdeu a mão pra cozinhar mesmo.” “Derrubou mais um prato, né. Velha desastrada!”). Na dificuldade de perdoar a traição de seu ex-namorado e em seu plano de vingança (“Eu nunca vou te perdoar. E mais: eu vou acabar contigo, nem que seja a última coisa que eu faça na minha vida!”). Contudo, as lágrimas não aliviavam sua dor.

Já que estava sozinha, gritou fortemente: “EU NÃO AGUENTO MAIS! QUE MONSTRO EU ME TORNEI?”

Nesse exato momento, uma voz aproximou-se de Cath, sentou-se ao seu lado e pegou em suas mãos, dizendo: “Você não é um monstro, Catherine Dicksonn. Tente se recordar de suas qualidades. Da doce e generosa menina que ofereceu ajuda para sua coleguinha Dayse. Aquela menina raspou seu cabelo e rasgou suas roupas. E no momento em que ela perdeu a casa, você convenceu seus pais a acolherem-na. Lembra?”

Chorando, Cath não entendia como aquela voz sabia tanto sobre seu passado. E a voz continuou: “ Cath, você tem uma energia e vitalidade imensas. Luta pelo que quer. Só escondeu sua doçura num armário e perdeu a chave. E a ONG que você fundou para tirar as crianças nas ruas? E a escolinha de educação infantil que você ergueu na empresa para incentivar as suas funcionárias mães? E a equipe de assistência médica e odontológica que você oferece para seus funcionários e seus amigos da ONG? Você é sim uma pessoa maravilhosa. Tem seus tropeços, mágoas e erros. Mas isso é natural. Sem sofrimentos e erros, não é possível amadurecer e construir  a tua felicidade.”

“Ó, grande Voz que sabe tudo, quem é você? Onde e por que estou aqui? E por que eu não consigo enxergar nada ao meu redor?” Catherine estava fragilizada. Mas nem assim deixou sua acidez de lado. Afinal, pessoas não mudam tão subitamente.  

A voz, pacientemente, lhe respondeu: “Primeiramente, peço desculpas por não ter me apresentado. Meu nome é Jesus. Acho que você sabe quem eu sou. Segundamente, você está em um estado de quase morte, que é quando...”

Ele nem conseguiu terminar a frase, pois nossa impetuosa jovem questionou-lhe: “QUASE MORTE?”.

“Sim, quase morte. Creio que você não se recorda do acontecido. Hoje, ao meio dia, você saiu do serviço para almoçar. Estava a pé, o que é um milagre. Tinha tanta pressa que não percebeu que um ônibus vinha em sua direção. O motorista tentou de tudo para frear. Contudo, não conseguiu. Você foi atropelada e bateu com a cabeça no asfalto. Ele teve que tomar alguns calmantes pois ficou em estado de choque.

“Você quer dizer que eu morri?”

“Não, Cath. Você não morreu. Mas não está consciente. Por isso é que eu disse que seu estado é de quase morte. Teu corpo está no hospital, entubado e inconsciente. Outra pessoa no seu lugar teria falecido. Você recebeu uma segunda chance. E é aqui que eu lhe proponho um desafio.”

“Calma, cara. Eu já entendi que estou aqui porque fui atropelada e meu corpo está entubado numa cama. Mas ainda não entendo uma coisa: por que não consigo enxergar nada aqui? Por quê?”

“Então, minha jovem. Aqui é o lugar da decisão. Eu não estou certo sobre sua morte. Tenho dúvidas. Por isso, necessito de você. E essa cegueira é composta por tudo o que pesa a sua consciência – pensamentos ruins, desejos cruéis, atitudes desumanas, ódios... A cura – e a volta a vida – dependem somente de você. É necessário repensar e mudar de atitude. Por exemplo, ao perdoar Carlos, teu ex-namorado. Sem isso, você não será feliz nem na vida nem após dela. Meu desafio é esse. Topa?”

“O que acontece se eu não topar?”- A jovem perguntou.

O Senhor lhe disse: “Se você não topar, morrerá agora em sua vida terrena. E garanto: isso não será bom para você. Essa angústia que você sente apenas aumentará. Porém, eu não lhe obrigo a nada. A decisão é sua. Amanhã eu volto, pois sei que tu gostas de pensar antes de tomar decisões. Boa noite.”


“Boa noite.”

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